[texto – Alan Peterson Lopes]

O documentário Seaspiricy ganhou espaço entre as produções mais populares do Netflix. Desde seu lançamento, tem chocado muita gente e vem ganhando espaço nas discussões ambientalistas nos meios digitais.

Ao ver uma série de tuítes #seaspiricy e de mensagens de colegas, todas dizendo “Você precisa assistir este documentário”, decidi assisti-lo, já com o intuito típico de um professor, afim de trabalhá-lo em sala de aula

O tema “oceanos”, ganhou um bom espaço no meu planejamento pedagógico nesse ano. Isso se deve, principalmente, ao início da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021–2030), proposta pela ONU em dezembro de 2017. E esse documentário, talvez, cairia como uma luva para trabalhar esse tema.

Confesso que ao assisti-lo, fiquei muito chocado com o grande número de informações trazidas, uma atrás da outra, na estratégia de buscar os grandes culpados pela destruição dos oceanos e, quiçá, do planeta. É interessante como o diretor e principal personagem do documentário, o cineasta britânico Ali Trabrizi, constrói sua narrativa.

Aproximando-se do seu público-alvo como um cidadão comum preocupado com a poluição dos oceanos, inicia seu documentário apresentando a polêmica dos plásticos, retomando aquela história do impacto dos canudos na vida marinha com a famosa cena daquela tartaruga sufocada.

Preocupado em mostrar-se como um ativista ambiental solitário, desenvolve sua narrativa a partir de suas descobertas que levam-no a questionar-se sobre a eficácia de suas ações individuais. Aos poucos, o documentário se desenrola com um teor de suspense, tal quando ele supostamente é perseguido no Japão ou expulso da Tailândia. A linguagem fica mais afiada ao entrevistar funcionários de ONGs e de outras instituições ligadas à proteção marinha, na qual, em uma série de cortes, constrói, espetacularmente, o grande vilão dos oceanos, a indústria pesqueira. A partir desse momento, seu ativismo solitário ganha destaque finalizando a produção cinematográfica com a única saída possível para garantir a sustentabilidade dos oceanos, o cancelamento do consumo de frutos do mar.

Ao fim do documentário, o primeiro pensamento foi “P*&%#$”, será que devo trabalhar isso em sala de aula?

A sensação de incômodo sobre como essa narrativa foi construída me tomou. Uma linguagem sensacionalista, entrevistas cheias de cortes e a apresentação de uma única solução, pautada simplesmente no cancelamento de um hábito alimentar, se mostrou ser a base narrativa desse documentário

E foi nesse incômodo que vi uma boa proposta para trabalhá-lo. Afinal vivemos “a era da cultura do cancelamento” e ser ativista hoje passa muito mais por difundir ideias pessoais nas redes sociais do que organizar-se coletivamente para resolver um determinado problema.

A proposta é relativamente simples e muito boa de se trabalhar de forma inter ou até transdisciplinar envolvendo todas as áreas do conhecimento. Em linguagens, esmiuçar a narrativa é fato determinante para entender a interpretação dos dados que podem ser comprovados com a área de ciências da natureza. Já a área de humanas pode trazer uma visão crítica a respeito disso tudo, trazendo à tona discussões sobre a importância do consumo de proteínas (que em sua maioria vêm dos peixes) pelas populações carentes no mundo (não devemos esquecer que a maior parte das pessoas vive em áreas costeiras ou ao longo dos rios e a pesca é uma das principais formas de subsistência) ou até mesmo a questão cultural (parte da identidade dos povos é construída com base em sua alimentação).

Outro ponto que pode ser destacado é a acusação da ineficácia dos organismos internacionais de combate à exploração marinha, que, ao meu ver, pode vir a gerar um desserviço ambiental, visto que a resolução proposta pelo documentário, que parece ser simples, de fato não é. Ainda mais se levarmos essa situação citada anteriormente em questão, isto é, como alterar hábitos alimentares de populações que nem sequer tem acesso aos alimentos?

Me parece que o principal problema foi pouco trabalhado, a falta de uma regulamentação internacional para indústria pesqueira, que apesar de ser tratada no documentário, não aparece como solução a construção de uma frente ampla de combate a esse problema, tal como já existe em torno das emissões de gases do efeito estufa, por exemplo. E esse é um ponto interessante de se trazer ao debate.

E como uma boa proposta de trabalho, que tal encerrá-la com a pergunta que leva ao próprio problema apresentado no documentário: Como proteger os oceanos?